No final de 2018, o Conselho Monetário Nacional (“CMN”) e o Banco Central do Brasil (“BCB”) editaram normas relevantes para o setor de pagamentos, alterando regras relacionados ao funcionamento de arranjos de pagamento e regulamentando operações de crédito garantidas por recebíveis de arranjos de pagamento.
Além disso, o BCB também comunicou ao mercado os requisitos fundamentais para o ecossistema de pagamentos instantâneos brasileiro.
Destacamos, abaixo, um resumo das matérias abordadas nas referidas normas.
Regras de Funcionamento de Arranjos de Pagamento
No dia 20 de dezembro 2018, o BCB editou a Circular nº 3.925/18, que altera determinadas regras sobre o funcionamento de arranjos de pagamentos, contidas na Circular nº 3.682/13.
A Circular nº 3.925/18 foi elaborada com base em discussões travadas no âmbito dos editais de consulta pública de nºs 61, 62 e 63 de 2018. Ao analisar o conteúdo dos referidos editais, nota-se que as alterações efetivamente implementadas pelo BCB foram mais pontuais do que as alterações originalmente propostas.
A primeira alteração relevante diz respeito à criação de canal de comunicação em arranjos de pagamento abertos, a fim de aprimorar a governança interna. Nesse contexto, o BCB exigiu que o instituidor do arranjo de pagamento (mais conhecido como “bandeira de cartão”) crie canal específico de comunicação para os participantes do arranjo (i.e. emissores, credenciadores, subcredenciadores, instituições domicílio etc.) enviarem propostas, sugestões e manifestações em relação a temas que impactem sua atuação e modelo de negócios dentro do arranjo.
Essa mudança traz impactos menores para os instituidores de arranjos de pagamento do que a criação do comitê de governança originalmente proposto no edital de consulta pública nº 61/18, aplicável para arranjos abertos de grande porte.
A segunda alteração afeta diretamente as atividades de credenciadores e subcredenciadores. Como é sabido, os subcredenciadores passaram a ser tratados como participantes dos arranjos de pagamento a partir da Circular nº 3.886, de 26 de março de 2018, e foram obrigados a observar as regras e requisitos impostos pelos instituidores dos arranjos.
Na circular recém editada, o BCB permitiu que instituidores de arranjos de pagamento deleguem a credenciadores obrigações de fiscalização do cumprimento, pelos subcredenciadores, de regras do arranjo sobre gerenciamento de riscos, aspectos operacionais, prevenção à lavagem de dinheiro, continuidade de negócios, segurança da informação, fornecimento de informações, acompanhamento de fraudes, liquidação de pagamentos, interoperabilidade, dentre outras.
Cabe ressaltar, no entanto, que o BCB limitou o uso das informações que deverão ser fornecidas pelos subcredenciadores a credenciadores ao fim exclusivo de cumprir as obrigações de monitoramento. Essa limitação está em linha com preocupações de ordem concorrencial relacionadas ao intercâmbio de informações entre subcredenciadores e credenciadores.
Ao que parece, o BCB deixou de lado a proposta contida no edital de consulta pública nº 62/18 de converter obrigatoriamente, em credenciador, o subcredenciador que atingir o montante de R$ 500 milhões em transações de pagamento realizadas em período de 12 meses. Essa proposta era controversa e havia sido bastante criticada por diversos participantes do mercado.
A terceira e última alteração relevante diz respeito à forma de interação entre arranjos de pagamento abertos (tipicamente os arranjos de cartão de crédito) e arranjos de pagamento fechados (em particular, arranjos que oferecem e-wallets vinculadas a contas de pagamento pré-pagas).
A nova norma solucionou o impasse que existia sobre como tratar essa modalidade de interação entre arranjos. A solução adotada pelo BCB foi a interoperabilidade entre o arranjo de pagamento aberto e o arranjo de pagamento fechado, por meio da celebração de acordos bilaterais, baseados em modelo de contrato padronizado.
O edital de consulta pública nº 63/18 apontava outra solução para essa questão, uma vez que sugeria a interoperabilidade via participação obrigatória de participantes de arranjos de pagamento fechados nos arranjos abertos. Essa linha, no entanto, não foi seguida na nova norma.
Os instituidores dos arranjos de pagamento terão até 29 de março desse ano para adequar seus respectivos regulamentos de acordo com as alterações da Circular nº 3.925/18.
Operações de Crédito Garantidas por Recebíveis de Arranjos de Pagamento
O CMN e BCB editaram em 19 de dezembro de 2018, respectivamente, a Resolução nº 4.707 e a Circular nº 3.924, que estabelecem regras sobre operações de crédito celebradas por instituições financeiras e garantidas por recebíveis de arranjos de pagamento. As normas têm por base os pontos descritos na consulta pública nº 68/18, encerrada no final de novembro, e integram os pilares SFN mais Eficiente e Crédito mais Barato da Agenda BC+.
Os recebíveis de arranjos de pagamento (geralmente recebíveis de transações com cartão de crédito) costumam ser um ativo importante para empresas dos mais diversos setores da economia, com especial destaque para pequenas e médias empresas. Por essa razão, é prática corrente no mercado financeiro a concessão de crédito por instituição financeira, garantido por recebíveis de titularidade da empresa tomadora dos recursos.
Existem, no entanto, desafios associados a esta modalidade de garantia, em particular o risco de um mesmo recebível ser dado em garantia de operações distintas de crédito, o risco de o devedor requerer o direcionamento do fluxo de recebíveis para outra conta (mantida junto a instituição diversa) e a prática de mercado de se exigir mais garantias para essas operações (que podem superar em muito o valor do saldo da dívida).
As novas normas foram editadas com o intuito de mitigar riscos associados às operações de crédito e racionalizar a concessão de garantias sobre recebíveis, permitindo que os tomadores obtenham mais crédito com o mesmo volume de recebíveis, sem aumento indevido de riscos para o Sistema Financeiro Nacional.
Nesse sentido, a Resolução nº 4.707/18 determina que os contratos de crédito garantidos por essa modalidade de recebível devem especificar: (i) a instituição domicílio para a qual serão direcionados os recebíveis; (ii) o valor diário máximo da agenda de recebíveis do arranjo de pagamento que poderá ser retido (o qual não poderá superar o valor necessário para liquidação antecipada integral da operação de crédito); e (iii) as condições para liberação de recursos para a conta de livre movimentação do devedor (incluindo recebíveis decorrentes de antecipações).
A Resolução determina que a instituição financeira deve assegurar ao devedor o direito à livre movimentação de recursos financeiros decorrentes de operações de antecipação de recebíveis do arranjo de pagamento (prática bastante comum nos arranjos de cartão de crédito), desde que respeitado o limite diário de retenção acima mencionado.
Também caberá às instituições financeiras o dever de comunicar credenciadores e subcredenciadores a respeito da contratação e encerramento de operações de crédito garantidas por recebíveis de arranjo de pagamento, com indicação da instituição domicílio para a qual deverão ser direcionados os recebíveis.
A Circular nº 3.924/18, por sua vez, obriga as credenciadoras a realizar a liquidação financeira dos recebíveis do arranjo de pagamento na instituição domicílio indicada no contrato da operação de crédito e disponibilizar a agenda de recebíveis dos usuários finais recebedores para as instituições financeiras com as quais tais usuários tenham celebrado operação de crédito.
Os credenciadores também deverão incluir, nos contratos celebrados com subcredenciadores, cláusulas que imponham aos subcredenciadores as obrigações acima, bem como terão que se certificar de que os subcredenciadores possuem controles internos para cumprimento dessas obrigações.
A Resolução nº 4.707/18 e a Circular nº 3.924/18 entrarão em vigor em 31 de janeiro de 2019. Esse prazo é considerado bastante curto pelo mercado, tendo em vista as providências de ordem operacional exigidas pela nova regulamentação.
Logo após a edição das normas, o BCB informou ao mercado que ainda pretende concluir os trabalhos relacionados ao edital de consulta pública nº 68/18, para estabelecer um marco legal definitivo sobre a matéria. Dentre os assuntos que constavam originalmente no edital de consulta pública nº 68/18 e ainda deverá ser regulado, destaca-se a criação de regras para disciplinar o registro de recebíveis em sistemas de registro de ativos financeiros.
Pagamentos Instantâneos
O BCB divulgou no dia 21 de dezembro o Comunicado nº 32.927, que trata dos requisitos fundamentais para implementação do ecossistema de pagamentos instantâneos no Brasil (“Comunicado”). A medida é fruto das discussões travadas no Grupo de Trabalho – Pagamentos Instantâneos instaurado em 2018 pelo BCB e integra a ação “Incentivo à eletronização de pagamentos de varejo” da Agenda BC+ para tornar o Sistema Financeiro Nacional mais eficiente.
O Comunicado resume os princípios que já tinham sido esboçados na versão intermediária dos requisitos fundamentais para o ecossistema de pagamentos instantâneos brasileiro, divulgado pelo BCB em agosto de 2018, sem inovações relevantes. De qualquer forma, o Comunicado é um passo importante no sentido de orientar a futura regulamentação da matéria, que, segundo informado pelo BCB, deverá ocorrer ao longo de 2019 e 2020.
Em linhas gerais, pagamentos instantâneos podem ser definidos como pagamentos em tempo real, disponíveis 24 horas por dia, 7 dias por semana, todos os dias do ano, envolvendo transferências monetárias eletrônicas entre contas mantidas em instituições distintas, com pronta transmissão de mensagens de confirmação da transação e disponibilidade de recursos para o usuário final recebedor.
A estrutura do ecossistema que está sendo criado espelha alguns modelos de transferências peer-to-peer já adotados em outros países e tende a diminuir os custos para usuários finais, dado que menos intermediários serão envolvidos na operacionalização das transações de pagamento. Além disso, o BCB busca simplicidade na realização das transações, que deverão ser realizadas com base em informações mínimas sobre o recebedor, e ampla interoperabilidade entre todos os participantes, de forma que usuários possam enviar e receber pagamentos a partir de uma única conta.
Pelos motivos acima, o BCB acredita que os pagamentos instantâneos poderão sanar algumas das principais lacunas associadas ao uso de outros meios de pagamento, em especial os gastos decorrentes do uso de dinheiro em espécie, as tarifas e dificuldades de endereçamento de TEDs e DOCs e os custos de aceitação e longo prazo para disponibilização de recursos ao beneficiário final em pagamentos realizados com cartões de crédito e débito.
O BCB espera que o novo ecossistema atraia tanto as instituições já consolidadas no mercado, como novos participantes (fintechs, empresas de tecnologia etc.), estimulando a competição e o desenvolvimento de modelos de negócio inovadores.
Em linhas gerais, o BCB propõe a criação de um ecossistema aberto e flexível, em que existirão 3 modalidades distintas de participação, a saber:
- participação direta: instituições financeiras ou de pagamento que ofereçam contas transacionais (conta corrente, conta de pagamento etc.) aos usuários finais, bem como que possuam conta com BCB para liquidação de transações e conexão com a infraestrutura centralizada de liquidação;
- participação indireta: instituições financeiras ou de pagamento que ofereçam contas transacionais aos usuários finais, que (a) não possuam conta com BCB para liquidação de transações e conexão com a infraestrutura centralizada de liquidação, e (b) liquidem as transações por intermédio de participante direto, contratado para essa finalidade; e
- participação como provedor de iniciação de pagamento: instituição que, embora não ofereça uma conta transacional para o usuário final, ofereça serviço de pagamento utilizando a conta transacional do usuário mantida junto a outra instituição financeira ou de pagamento.
A figura do provedor de iniciação de pagamento é uma das principais inovações do ecossistema de pagamentos instantâneos. O BCB deixou claro que esse participante dependerá de regulamentação específica, que será diretamente relacionada à regulamentação do open banking, outro tema chave na agenda do BCB para 2019.
A liquidação das transações no novo ecossistema de pagamentos instantâneos deverá se dar de forma bruta em tempo real (ou seja, as transações serão liquidadas uma a uma, no momento em que forem realizadas) e o BCB irá operar diretamente a infraestrutura centralizada de liquidação de pagamentos instantâneos (que funcionará 24 horas por dia, 7 dias por semana, todos os dias do ano).
O Comunicado prevê a possibilidade de participantes diretos contratarem empresas de conectividade (switch) para operacionalizar a conexão com a infraestrutura centralizada de liquidação. As empresas de conectividade também poderão prestar serviços agregados, além dos próprios serviços de conexão, e estarão sujeitas a requisitos técnicos e operacionais a serem definidos pelo BCB.
Por fim, o BCB propõe 2 fontes distintas de liquidez à infraestrutura única de liquidação: (i) durante o horário de funcionamento do Sistema de Transferência de Reservas (“STR”), os participantes diretos poderão movimentar seus recursos entre sua conta Reservas Bancárias ou Conta de Liquidação e a conta que terão na nova infraestrutura; e (ii) fora do horário de funcionamento do STR, os participantes diretos poderão usar os saldos dos títulos públicos federais custodiados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), por meio de mecanismo ainda pendente de desenvolvimento.
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