PANORAMA SOCIETÁRIO
CVM promove consulta pública para modificar regras sobre ofertas públicas de aquisição
CVM promove consulta pública para modificar regras sobre ofertas públicas de aquisição
Como parte da agenda regulatória da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), a CVM lançou no final do ano passado (dez/23) edital de consulta pública para revisar diversos pontos da atual Resolução CVM 85/2022 (que substituiu, sem alterações, a antiga Instrução CVM 361/2002), que disciplina as ofertas públicas de aquisição de ações (“OPA”), com a finalidade de editar uma nova resolução que consolidará os precedentes do colegiado obtidos ao longo de mais de 20 anos de aplicação da norma, bem como trazer uma série de inovações. O objetivo é tornar o procedimento da OPA mais simples e célere, com redução dos custos regulatórios envolvidos. Os interessados poderão encaminhar sugestões e comentários à CVM com relação às propostas até 7 de março de 2024.
Foram submetidas à consulta duas minutas de resolução. A minuta “A” revoga a Resolução CVM 85/2022, que atualmente regula o tema, e apresenta uma revisão mais ampla da matéria, trazendo novos critérios para a OPA por aumento de participação, a criação de um quórum diferenciado para a OPA para cancelamento de registro, alterações relacionadas ao intermediário da OPA e a previsão de dispensas automáticas de leilão e de elaboração do laudo de avaliação. Por sua vez, a minuta “B” traz ajuste pontual à Resolução CVM 77 para esclarecer que a vedação à recompra por companhia aberta de ações de própria emissão durante o período de OPA não se estende aos casos em que a OPA é formulada pela própria companhia.
Com relação aos ajustes sugeridos pela minuta “A”, o primeiro deles envolve o cálculo de participação para obrigatoriedade da realização de OPA por aumento de capital. Esta modalidade de OPA consiste na obrigatoriedade da realização de OPA em caso de aquisição de mais de 1/3 do total das ações de cada espécie e classe em circulação pelo acionista controlador ou pessoa a ele vinculado. Sob a norma atualmente em vigor, para as companhias abertas existentes em 5 de março de 2002, deve ser calculado considerando-se as ações em circulação em 4 de setembro de 2000. Para as companhias que não se enquadrem nessa situação, o número base deve ser calculado com base no número de ações em circulação na data de encerramento da primeira oferta pública de distribuição de ações, ou caso nenhuma oferta tenha sido realizada, na data de obtenção do registro da companhia para negociação de ações em mercado. Devido a ocorrência de vários eventos societários na vida da companhia, como aumentos e reduções de capital, agrupamento de ações e conversão de ações, a fórmula utilizada pela CVM tornou-se complexa e custosa.
Diante disso, a minuta traz duas hipóteses de incidência da obrigação de realização da OPA por aumento de participação: (i) quando, após a aquisição de ações em circulação pelo acionista controlador ou pessoa a ele vinculada por outro meio que não uma OPA, remanesça em circulação menos de 15% do total de ações de uma mesma classe e espécie; e (ii) a aquisição pelo acionista controlador ou pessoa a ele vinculada, por outro meio que não uma OPA, em um exercício social, de mais de 1/6 do total das ações de cada espécie e classe em circulação. Nesse último caso, a quantidade de ações em circulação no último dia do exercício imediatamente anterior, conforme informação constante do formulário de referência, servirá como base para o cálculo. O percentual foi selecionado pela CVM em linha com as regras de free float mínimo fixadas pela B3 e bolsas de valores ao redor do mundo.
Considerando os novos parâmetros propostos para a OPA por aumento de participação, foram realizadas modificações na seção que trata do procedimento alternativo à OPA. Nesse sentido, mantém-se a possibilidade de o acionista controlador solicitar à CVM autorização para não realizar a OPA por aumento de participação, desde que se comprometa a alienar o excesso de participação no prazo de 3 meses, caso a aquisição resulte em ações em circulação inferior a 15% do total de ações da companhia aberta, ou de 30 dias, em caso de aquisição de 1/6 do total de ações em circulação, ambos contados da aquisição. Porém foi incluído um dispositivo para coibir que esse mecanismo alternativo possa ser utilizado para fins protelatórios: caso as ações não sejam alienadas no prazo previsto, o acionista controlador terá que apresentar à CVM requerimento de registro de OPA por aumento de participação em 30 dias contados do término do prazo, sem prejuízo da apuração de responsabilidade.
A minuta apresentada pela CVM permite ainda que, em caso de reavaliação da companhia promovida pelos acionistas minoritários nos termos do art. 4°-A da Lei das S.A., o ofertante possa optar pelo procedimento alternativo acima descrito.
Em relação à OPA para cancelamento de registro, foi realizada uma alteração no quórum de aceitação para companhias com baixo percentual de ações em circulação. Para simplificar o processo, a CVM propõe reduzir de 2/3 para a maioria simples das ações elegíveis nos casos em que o percentual de ações em circulação seja inferior a 5%. Outra medida proposta para companhias com baixa dispersão é a previsão de que, na ausência de acionistas habilitados no leilão de OPA, ou de acionistas que se manifestem por meio de procedimento alternativo quando o leilão é dispensado, os quóruns de aprovação da OPA para cancelamento de registro serão considerados atendidos.
Refletindo entendimentos anteriores do Colegiado da CVM em determinados processos administrativos, a minuta prevê ainda que o ofertante da OPA para cancelamento de registro também terá a possibilidade de computar as adesões à OPA anterior para fins de verificação do quórum de 2/3 para cancelamento de registro. Os requisitos para que essa faculdade possa ser usada são: (i) a OPA anterior ter sido realizada há menos de 6 meses do pedido de registro da OPA para cancelamento de registro; (ii) a OPA anterior deve ter alcançado adesão de titulares de mais de 2/3 do total das ações em circulação à época, de modo que a OPA anterior teria seu sucesso assegurado, caso tivesse sido uma OPA para cancelamento de registro; e (iii) o preço praticado na OPA para cancelamento de registro deve ser igual ou superior ao preço da OPA anterior, acrescido de juros à taxa SELIC.
Outra alteração relevante consiste na criação de dois ritos para registro de ofertas públicas: o rito ordinário e o rito de registro automático, no qual há dispensa de análise prévia pela CVM. O novo rito será aplicável apenas às OPAs voluntárias (isto é, não se aplicará as OPAs por cancelamento de registro, aumento de participação ou alienação de controle), e será aplicável somente nos casos que não envolvam permuta de valores mobiliários como parte da OPA.
A minuta traz a possibilidade de divisão das funções atualmente exercidas pelo intermediário da OPA, que deve ser sociedade corretora ou distribuidora de títulos e valores mobiliários ou instituição financeira com carteira de investimento, entre duas entidades, separando, de um lado, a obrigação de garantia de liquidação da OPA, que deverá ser prestada por uma instituição financeira garantidora, e as demais atividades, que poderão ser desempenhadas ou por uma instituição financeira ou por coordenadores de ofertas públicas registrados. Tal previsão confere maiores possibilidades aos ofertantes na realização de OPA.
Embora a elaboração do laudo de avaliação seja a regra na realização de OPA, a CVM trouxe duas hipóteses de dispensa nos casos em que o preço da OPA pode ser aferido de outras formas. A primeira hipótese permite que o laudo seja dispensado quando tiver sido celebrado negócio jurídico entre partes independentes de compra e venda de ações da mesma espécie e classe da OPA representando ao menos 20% do capital social da companhia nos últimos 6 meses da divulgação do instrumento da OPA, e o preço oferecido pelo ofertante seja superior ao preço estabelecido no referido negócio, observado que não poderá haver associação a outro negócio jurídico que confira ou venha a conferir às partes algum tipo de contrapartida financeira. A segunda hipótese abarca companhias cujas ações tenham sido negociadas em todos os pregões dos 12 (doze) meses anteriores ao início do período da OPA e tenham apresentado no período volume financeiro de negociação médio igual ou superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Neste caso, o preço da OPA deve ser igual ou superior à maior cotação unitária atingida pela ação da mesma espécie e classe das ações objeto da OPA durante o período acima.
Com relação à aquisição de ações remanescentes à OPA, a Resolução CVM n° 85/2022, atualmente em vigor, prevê que, caso, após OPA por aumento de participação decorrente da aquisição de mais de 1/3 do total das ações, o ofertante se torne titular de mais de 2/3 das ações da Companhia, o ofertante será obrigado, pelo prazo de 3 meses do encerramento do leilão de OPA, a adquirir ações dos demais acionistas que desejarem realizar a venda, sendo o valor a ser pago atualizado até a data de efetivo pagamento. Com relação às OPAs para aquisição de controle, o ofertante também tem a obrigação de adquirir as ações remanescentes dos acionistas que desejarem realizar a venda, contudo pelo prazo de apenas 30 dias. A minuta A padroniza os prazos de ambos os casos para 30 dias e limita a obrigação de aquisição de ações remanescentes em caso de OPA por aumento de participação somente caso, após a aquisição, permaneçam em circulação menos de 15% do total de ações de mesma classe e espécie da OPA.
A minuta contém também outras alterações, inclusive a dispensa de leilão quando a oferta for destinada a menos de (i) 100 acionistas ou, (ii) se os custos associados ao leilão excederem 10% do valor total da OPA, 1000 acionistas, bem como outras disposições acerca de OPA para aquisição de controle, material publicitário, dentre outros pontos menores.
Ante o exposto, as alterações propostas pela CVM visam a reformar de forma ampla aspectos relativos à realização de ofertas públicas de aquisição em companhias abertas, visando a modernizar as normas brasileiras por meio da consolidação de entendimentos anteriores do colegiado da CVM e da redução de custos regulatórios e aos agentes do mercado, trazendo maior eficiência ao procedimento. Não obstante, a flexibilização de determinados requisitos para a realização de OPA poderá trazer maior fragilidade a acionistas minoritários, sendo importante ponderar os possíveis impactos das propostas realizadas da CVM até a promulgação da norma definitiva.
Luiz Eduardo Malta Corradini
lcorradini@cascione.com.br
Pedro Henrique Silva Rizzo
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Lucas Souza Galipe
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