O Supremo Tribunal Federal (“STF”) inicia hoje (21.08.2024) o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (“ADO”) 73, movida pela Procuradoria-Geral da República (“PGR”) em 2022. O julgamento tem o potencial de redefinir a proteção dos trabalhadores brasileiros diante dos avanços da automação, mecanização e, indiretamente, da Inteligência Artificial (“IA”).
A ADO 73 busca regulamentar o artigo 7º, inciso XXVII, da Constituição Federal, que prevê a proteção dos trabalhadores contra a automação. A PGR argumenta que, após 33 anos de vigência, este dispositivo constitucional ainda não recebeu regulamentação adequada, deixando uma lacuna na proteção dos direitos dos trabalhadores.
A proteção constitucional, originalmente pensada para prevenir a substituição dos trabalhadores por máquinas e robôs, é especialmente relevante no contexto atual, em que o uso de IA generativa — capaz de criar textos, imagens e outros conteúdos em resposta a comandos em linguagem comum — vem ganhando espaço nos mais diversos setores. Embora essa tecnologia possa aprimorar o trabalho humano, ela também levanta preocupações éticas, como o uso de materiais autorais sem a devida compensação e o impacto na empregabilidade de profissionais criativos.
Como dito, apesar de a automação e a IA servirem para garantir melhores resultados, e em determinados tipos de atividades, maior segurança, por exemplo, evitando que trabalhadores sejam expostos a condições consideradas como insalubres ou penosas, substituindo a mão-de-obra por maquinário autômato, moderno e mais eficiente, uma pretendida modernização não pode ser concretizada ao custo do abandono da atual força de trabalho sem antes assegurar o mínimo de readaptação, acompanhada de capacitação e treinamento da mão-de-obra que resultará ociosa.
A falta de regulamentação pode resultar na desvalorização de profissões criativas e na redução de oportunidades de trabalho, tornando essencial o equilíbrio entre inovação tecnológica e a proteção dos direitos dos trabalhadores. Embora a ADO 73 não trate diretamente da IA, o tema já havia ganhado relevância com o Projeto de Lei (“PL”) 2338/2023, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, que visa regular o desenvolvimento e uso da IA no Brasil.
O PL aborda questões como transparência, responsabilidade e ética no uso da IA, e traz disposições que reforçam a valorização do trabalho humano, como previsto no artigo 2º, inciso VI, da última versão divulgada do projeto. Além disso, o artigo 49 do referido PL determina que o Sistema de Inteligência Artificial (“SIA”), em cooperação com o Ministério do Trabalho, desenvolva e publique princípios e melhores práticas para mitigar os impactos negativos da IA sobre os trabalhadores, especialmente em relação ao deslocamento de empregos e oportunidades de carreira, além de valorizar os instrumentos de negociações e convenções coletivas.
Contudo, o PL ainda não aborda de forma específica a o modelo ou quais serão os meios de proteção dos trabalhadores frente à IA evidenciando uma lacuna potencial na legislação sobre o tema — como enfatiza a PGR na ADO 73.
A PGR solicita que o STF declare a omissão do Legislativo como inconstitucional e fixe um prazo razoável para a criação de uma norma federal que aborde a questão. De acordo com as informações apresentadas pela PGR, estudos indicam que: (i) a automação já impacta significativamente o mercado de trabalho no Brasil, com estimativas de que até 50% dos postos de trabalho possam ser perdidos devido à automação e ao uso de IA; e (ii) a pandemia de COVID-19 acelerou esse processo, com um aumento de 68% na automação de tarefas no país, segundo o Fórum Econômico Mundial.
Inicialmente, o STF ouvirá os argumentos dos advogados envolvidos no processo, enquanto a votação dos ministros está prevista para uma sessão futura, sem data definida. A Central Única dos Trabalhadores (“CUT”) também participa do processo como amicus curiae, defendendo a necessidade de uma proteção mais robusta para os trabalhadores.
Diante disso, este julgamento pode ter implicações significativas para o futuro do trabalho no Brasil, especialmente considerando os avanços na automação e IA. A decisão do STF e a evolução do PL 2338/2023 serão fundamentais para moldar as proteções trabalhistas na era digital.
Por essa razão, nossos times de Direito Trabalhista e de Tecnologia e Inovação estão acompanhando de perto os desdobramentos desta importante discussão e estão disponíveis para prestar mais esclarecimentos sobre o tema.
Karin Klempp Franco
Tadeu Henrique Machado Silva
Ana Silva
Pedro Xavier de M. B. Azevedo