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Economia em crise eleva risco de punição por gestão temerária | Jota

Seara penal não pode se transformar em mais um ônus a ser carregado como punição para o insucesso


A redução da atividade econômica impulsiona diversos efeitos primários em cadeia, tais como: diminuição do consumo interno, que pode levar a uma queda do lucro das empresas, que gerará um potencial aumento na demissão de funcionários, com consequente aumento na taxa de desemprego e diminuição da renda da população.

Invariavelmente, essa cadeia econômica negativa pode se tornar um círculo vicioso de recessão, podendo chegar a uma depressão econômica, caso o período se perpetue por mais de três ou quatro anos. A reboque da situação econômica difícil, há que se levar em consideração seus efeitos incidentais, de natureza judicial. Dentre os mais comuns, o aumento na inadimplência contratual, exasperação no número de processos de recuperação judicial e falência, informalidade no mercado de trabalho, proliferação de ações trabalhistas e maior sensação de insegurança jurídica.

Por de trás desta primeira camada, há outras consequências de igual importância para a atividade empresarial, cujos efeitos acabam sendo sentidos no plano individualizado, em experiências raramente compartilhadas à público, com enfoque de natureza criminal. Em geral, as repercussões chegam à esfera penal por intermédio de dispositivos penais voltados para a tutela do sistema financeiro e, na maioria das vezes, criminalizando condutas praticadas no âmbito da empresa por seus responsáveis.

Muitos desses crimes atacam lesões objetivas ao mercado como um todo, nos que se pode, com maior clareza, delimitar qual a ação, qual a lesão e qual o nexo de causalidade entre ação e resultado; assim normalmente visto, por exemplo, os delitos previstos na Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as Relações de Consumo (Lei Federal n° 8.137/1990) ou ainda aqueles do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal n° 8.078/1990).

Contudo, outros crimes demandam uma análise técnica, às vezes casuística, e trabalham dentro de definições mais abstratas que favorecem interpretações variadas quanto ao seu sentido. Em outras palavras, o que pode ser considerado crime em determinada oportunidade, nem sempre o será.

No contexto de crise enunciado, os parâmetros de aplicação destes crimes menos claramente definidos acabam, em uma análise de momento econômico desfavorável, complicando ainda mais a vida de empresários e impulsionando uma enxurrada de denúncias patrocinadas por aquilo que os Tribunais apaticamente entendem por atuações não diligentes.

O exemplo mais clássico desse movimento no Direito Penal brasileiro está nos debates sobre a figura da gestão temerária – prevista no artigo 4°, parágrafo único, da Lei Federal n° 7.492/1986 – pela qual se pune com dois a oito anos de reclusão, mais multa, aquele que pratica a gestão de instituição financeira de forma temerária. O tipo penal em questão é por demais impreciso, indicando a conduta sem dizer o que se entende exatamente por “temerário” e, tão logo, passível de punição.

A falta de parâmetro claro sobre o que pode ser considerado “temerário” movimenta há anos o debate doutrinário, encontrando-se aqueles que entendem se tratar da conduta de quem viola dolosamente normas administrativas, aqueles que entendem estar punindo a mera imprudência do empresário e também aqueles que militam pela posição de inconstitucionalidade do dispositivo (por ser demasiadamente aberto).

Independentemente da posição, é certo que os Tribunais seguem condenando empresários como se, em casos especí􀀀cos, a própria incompetência de gestão fosse crime. Em outro sentido, caso o risco tomado pelo empresário tivesse sido convertido em proventos para a instituição e seus investidores, não haveria motivos para se dizer que sua conduta foi “temerária”, mas sim, conforme já se viu na história recente desse País, congratular o pródigo por obter sucesso mesmo diante da alta exposição.

Em outras palavras, a ousadia na gestão só é punida quando termina mal.

Em essência, a valoração da prova em procedimentos que apuram crimes como esse mencionado é excessivamente subjetiva, forçando o Juiz a adivinhar quais eram as informações e opções que dispunha o empresário no momento em que tomou a conduta tida por criminosa.

Não raro, o exercício desse juízo subjetivo acaba por esquecer que toda atividade empresarial se define exatamente pela tomada de risco, sendo muito fácil, olhando do presente para o passado, criticar-se uma determinada decisão tomada quando já se está olhando para o resultado. Em um exercício reflexo, condenar empresários em valorações ex post (após o fato) é criar a impossível obrigação de futurologia àquele que deseja empreender.

Em momentos de larga crise econômica, quando a exposição ao fracasso empresarial é ainda maior, devemos lembrar nossos magistrados que todo e qualquer agente possui uma racionalidade limitada no processo de tomada de decisão, um cenário de momento restrito, devendo ser valorada aqui a razoabilidade econômica da ação no momento em que ela se deu, não no momento em que tudo deu errado.

Pelo contrário, e muito preocupante para o exercício de uma defesa penal rigorosamente técnica, são justamente nos momentos de crise que as defesas mais aprofundadas – tratando da prova no âmbito econômico para justificar a razoabilidade da decisão tomada – acabam sendo tomadas por meras escusas daquele que enriqueceu e agora se esconde atrás da pessoa jurídica; expressão bastante comum nesses casos.

O contexto econômico da ação, quando se trata de crimes empresariais, jamais poderá ser considerado como uma desculpa para se relegar um dano financeiro em caso fortuito. A fundo, a reversão de um momento de crise passa não só por medidas de matiz econômico, mas também de se ter a certeza que todo o aparato estatal está devidamente preparado para apoiar o empreendedorismo, sendo cirúrgico em intervir apenas nos casos em que há claro elemento fraudulento na conduta do empresário.

Para todos os demais, na infelicidade daquele que vê sua empresa ruir, a seara penal não pode se transformar em mais um ônus a ser carregado como punição para o insucesso.

Para isso, devemos cobrar cada vez mais um corpo de Magistrados, Promotores e Delegados especializados em matéria empresarial, com um olhar interdisciplinar para além do próprio Direito Penal, garantindo-se que a aplicação da lei penal não se fará de forma casuística. Apenas assim se estimula, genuinamente, a retomada do crescimento econômico: com segurança jurídica, dando clareza a todos sobre quais as regras do jogo.

LEONARDO MAGALHÃES AVELAR – Sócio – Penal Empresarial

ALEXYS CAMPOS LAZAROU – Advogado – Penal Empresarial

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