Atualmente, as empresas brasileiras vivem um momento de incerteza a respeito da forma de realização de publicações exigidas em lei para certos eventos societários, o que vem causando insegurança no cumprimento de tais formalidades. No nosso entender, muito dessa insegurança jurídica advém do processo legislativo brasileiro e das escolhas adotadas pelo Poder Executivo para tratar deste tema.
Recapitulemos: a Medida Provisória nº. 892, editada pelo governo federal em 5 de agosto de 2019 (“MP 892/19”), modificou o Art. 289 da Lei Federal nº. 6.404/76 (“Lei das S.A.”), que tratava das publicações legais de companhias no Brasil. A MP 892/19 determinou que as publicações legais de companhias (abertas ou fechadas) devem ser feitas nos sítios eletrônicos da comissão de valores mobiliários (“CVM”) e da entidade administradora do mercado em que os valores mobiliários estiverem admitidos a negociação (no Brasil, a B3 S.A.). Adicionalmente, a MP 892/19 previu, e o Ministério da Economia publicou, portaria (a Portaria 529, de 26 de setembro de 2019 – “Portaria 529/19”) regrando a publicação legal eletrônica para companhias fechadas em sítio específico administrado pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) – a Central de Balanços do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED).
Com estas modificações, todas as companhias nacionais estão atualmente sujeitas ao novo regime de publicação, em contraposição ao antigo regime de publicações legais, que exigia publicações no Diário Oficial e na mídia impressa. Isto porque as Medidas Provisórias são editadas pelo Poder Executivo com força de lei, para posterior apreciação do Congresso Nacional, nos termos do Art. 62 da Constituição Federal.
Contudo, é notório que a adoção da MP 892/19 sofre grande oposição de determinados setores da economia e do próprio Congresso Nacional. Já existe parecer emitido pela Mesa da Câmara dos Deputados opinando pela rejeição da MP 892/19, que, de acordo com os noticiários, deverá ser formalmente rejeitada pelo plenário da Câmara dos Deputados antes do dia 5 de dezembro de 2019, prazo final de sua eficácia. Desta forma, é esperado que o atual regramento de publicações legais para companhias trazido pela MP 892/19 tenha vida curta e o antigo regramento de publicações legais volte a vigorar.
Diante deste cenário, restam incertezas a respeito da forma de realizar publicações legais para companhias no período entre a publicação da MP 892/19 (ou da data de publicação da Portaria 529/19, para companhias fechadas) e a data em que a MP 829/19 formalmente deixar de vigorar, e outras consequências jurídicas correlatas. Deveriam as companhias cumprir somente com as regras de publicação da MP 829/19 durante este período, ou também cumprir com a lei vigente até 4 de agosto, tendo em vista a iminência da rejeição da MP 892/19? Seriam válidas as publicações realizadas de acordo com a MP 892/19 mesmo após sua perda de eficácia/rejeição?
Felizmente, um indicativo para estas respostas foi previsto em nossa Constituição Federal. O Parágrafo 3º do Artigo 62 de nossa Constituição impõe que o Congresso Nacional discipline, por meio de Decreto Legislativo, as relações jurídicas decorrentes de Medida Provisória não convertida em lei. Assim, o Congresso Nacional deveria publicar tal ato normativo indicando se publicações de acordo com a MP 892/19 e/ou de acordo com a lei anteriormente vigente seriam válidos para o período em questão. Este Decreto Legislativo deve ser publicado em até sessenta dias da rejeição ou da perda de eficácia da MP 892/19. Caso este Decreto Legislativo não seja publicado dentro de tal prazo, a MP 892/19 passaria a ser a única norma vigente durante este curto período de tempo, devendo as publicações que forem feitas de acordo com ela serem consideradas válidas mesmo depois de sua rejeição/perda de eficácia.
A despeito das críticas sobre a pertinência do uso de medida provisória para alterar as regras relativas às publicações legais, trata-se de matéria que carece de atualização. Um sistema em que as publicações legais são feitas de forma totalmente eletrônica reduz custos, burocracia e, de forma geral, promove o desenvolvimento do mercado de capitais ao facilitar o cumprimento das obrigações das companhias.