PANORAMA SOCIETÁRIO

Adoção de Voto negativo em Eleições de Conselho Administrativo

A companhia Vale S.A. (“Vale”), com o intuito de implementar determinadas melhorias de governança corporativa, apresentou aos seus acionistas, em janeiro de 2021, uma alteração ao seu Estatuto Social, no qual, mediante aprovação de Assembleia Geral de Acionistas, seria incluída previsão para que o sistema de eleição de membros do Conselho de Administração elegesse os nomes com maior número de votos favoráveis, desde que superiores ao total de votos contrários.

Tal forma de eleição de Conselho de Administração é considerada inédita e, diante da incerteza causada, a proposta da Vale foi objeto de consulta na Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Vale ressaltar que a Lei 6.404/76 não estabelece nenhuma modalidade obrigatória para a votação do conselho de administração. Cabe ao estatuto social da companhia dispor a respeito, estabelecendo a votação majoritária, que poderá ocorrer (a) por chapas constituídas por tantos candidatos quantos são os cargos a serem preenchidos; ou (b) por votos individuais a um determinado candidato (caso em que haverá uma eleição para cada vaga no Conselho), ou a votação proporcional, na qual todos os cargos do Conselho de Administração são preenchidos em uma única eleição de acordo com os candidatos mais votados.

Há na Lei das Sociedades Anônimas apenas três variações às citadas modalidades para fins de eleição de membros do Conselho: (i) a adoção pelos acionistas minoritários do sistema de voto múltiplo, pelo qual se atribui a cada ação tantos votos quantos sejam os cargos a preencher no conselho de administração, de forma que esses acionistas podem concentrar seus votos em um ou mais candidatos, possibilitando a eleição de seus representantes no Conselho de Administração[1]; (ii) a eleição em separado por acionistas preferencialistas cujas ações atribuam especificamente essa vantagem[2]; e (iii) a eleição em separado por acionistas não controladores ou preferencialistas que perfizerem o percentual mínimo exigido em lei para eleger e destituir um membro do conselho e seu suplente[3].

Observa-se que o ponto comum dentre as modalidades de eleição previstas na legislação vigente é que sempre serão eleitos os candidatos que obtiverem a maioria absoluta dos votos afirmativos. No entanto, de acordo com o sistema de eleição proposto pela Vale, seria possível que um determinado candidato deixasse de ser eleito caso viesse a ter uma quantidade de votos pela rejeição superior aos votos de aprovação, ainda que esses votos positivos fossem suficientes para garantir sua eleição em um cenário em que não fossem computados os votos de rejeição.

De acordo com os conselheiros da Vale que discordaram da referida forma de votação apresentada pela Companhia, a atribuição de qualidade aos votos negativos concedidos a um candidato culmina, indiretamente, na desconsideração dos votos favoráveis recebidos por esse candidato. Essa metodologia se mostra contrária, portanto, às melhores práticas de governança corporativa e com o processo eleitoral regular previsto na Lei das Sociedades Anônimas, pois tenderia a suprimir os votos dos acionistas minoritários ao permitir que grupos de acionistas utilizassem da sua participação relevante tanto para eleger seus candidatos, quanto para vetar a eleição de certos candidatos.

Por outro lado, os defensores do voto negativo explicaram que essa forma de votação seria uma saída para que o sistema de chapas de candidatos fosse substituído por uma eleição individualizada, evitando que os acionistas se encontrem obrigados a votar contra todos os candidatos de uma chapa quando apenas algum deles lhe pareça inadequado. Ainda, defenderam que, de acordo com os princípios do Direito Societário, da autonomia privada e da liberdade de contratar, deveria ser considerado lícito o voto negativo, uma vez que as sociedades anônimas são livres para estabelecer, em seus estatutos sociais, as regras que seus acionistas entenderem mais adequadas, observadas apenas as normas legais que imponham expressamente determinada vedação.

A Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM entendeu que a sistemática proposta pela Vale adota, na prática, a regra da maioria relativa para a eleição majoritária do Conselho de Administração, e não a maioria absoluta, como determinado na Lei das S.A. De acordo com a legislação brasileira, as deliberações da Assembleia Geral, dentre as quais faz parte a eleição majoritária do Conselho de Administração, devem ocorrer, obrigatoriamente, por maioria absoluta dos votos. Visto que o sistema de eleição proposto pela Vale possibilita a eleição de candidatos que não obtenham a maioria absoluta dos votos proferidos na eleição do Conselho de Administração, a CVM concluiu que a proposta de alteração do Estatuto Social da Vale prevendo o cômputo de votos negativos representa um entrave ao exercício do direito de voto de acionistas.

Diante da manifestação da SEP, a Vale retirou sua proposta de reforma do estatuto, mantendo a forma de votação majoritária, considerando a maioria absoluta de votos favoráveis para eleição, tal como já adotada pelo seu estatuto social anteriormente.


[1] Cf. art. 141 da Lei 6.404/76, regulado também pela Instrução CVM nº 165, de 11.12.1991.

[2] Cf. art. 18 da Lei 6.404/76.

[3] Cf art. 141, §4° e §5° da Lei 6.404/76.

 

Luiz Eduardo Corradini
lcorradini@cascione.com.br

Helena Sampaio Galvani
lgalvani@cascione.com.br