PANORAMA SOCIETÁRIO
As quotas preferenciais nas sociedades limitadas
As quotas preferenciais nas sociedades limitadas
As quotas preferenciais nas sociedades limitadas há muito têm sido objeto de debate. A existência das quotas preferenciais decorre de uma analogia feita a partir das ações preferenciais das sociedades por ações. Deste modo, as quotas preferenciais visam a conferir vantagens patrimoniais especiais a seus titulares e, em contrapartida, podem limitar direitos políticos dos seus titulares.
É preciso mencionar, neste ponto, que o Código Civil permite que as quotas sejam desiguais[1]. Com base nesta disposição genérica, bem como na autonomia privada e na liberdade contratual, é possível sustentar a legalidade das quotas preferenciais. Por outro lado, pode-se questionar que este entendimento é incompatível com a natureza personalística das sociedades limitadas.
À guisa de resolução do assunto, o então Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC) editou, em 2003, instrução normativa vedando expressamente as quotas preferenciais nas sociedades limitadas[2]. Em 2017, o Departamento Nacional de Registro e Integração (DREI), que sucedeu o DNRC, editou uma nova instrução normativa[3] a fim de mudar o entendimento anterior e permitir expressamente a adoção das quotas preferenciais em razão da regência supletiva do regime das sociedades por ações que as sociedades limitadas pode adotar. O mesmo entendimento foi reafirmado no contexto da Lei da Liberdade Econômica por ocasião da Instrução Normativa nº 81/2020 editada pelo DREI. Deste modo, embora não raro algumas juntas comerciais mostrem-se resistentes à limitação do direito de voto do sócio, tem sido possível registrar contratos sociais com quotas preferenciais.
A despeito da edição das normas mencionadas acima, a legalidade das quotas preferenciais continuava a ser contestada em razão de o DREI não ter competência para criar nem para modificar o direito material, mas tão somente para tratar de questões relacionadas ao registro mercantil[4].
Dessa forma, parece-nos que a discussão sobre a legalidade das quotas preferenciais nas sociedades limitadas somente será pacificada mediante regulação específica em lei. É o que buscam dois projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional. O primeiro deles é o Projeto de Lei nº 3.436/2019, que pretende acrescentar dois parágrafos ao Art. 1.055 do Código Civil, para permitir expressamente as quotas preferenciais, com ou sem direito de voto[5]. Por fim, há o Projeto de Lei nº 919/2020, que visa a acrescentar um novo artigo ao Código Civil para tratar das quotas preferenciais, com direito a voto ou sem, em regime bastante semelhante ao das ações preferenciais no Artigo 111 da LSA[6].
Conclui-se, assim, que a aprovação e a promulgação de qualquer um dos projetos de lei, atualmente em trâmite, que disciplinam a existência das quotas preferenciais muito contribuiriam para a pacificação do assunto e para a maior segurança jurídica. Não há razão para a existência da reserva dos títulos preferenciais somente para as sociedades por ações, mais custosas e, portanto, menos comuns que as limitadas.
[1] Art. 1.055, caput, Código Civil.
[2] Item 3.2.8.4, Instrução Normativa DNRC 98/2003.
[3] Item 1.4, inciso II, alínea “b”, do Manual de Registro de Sociedades Limitadas, conforme alterado pela Instrução Normativa DREI 38/2017.
[4] Art. 4, inciso III, Lei Federal n° 8.934/1994.
[5] “§3º O contrato social pode instituir quotas preferenciais, com ou sem direito a voto, que assegurem a seus titulares prioridade no recebimento de lucros apurados em balanço, ou na liquidação da sociedade. §4º O número de quotas preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ser superior à metade do capital social.”
[6] “Art. 1.055-A O contrato social pode permitir a criação de cotas preferenciais que assegurem a seus titulares prioridade no recebimento de lucros apurados em balanço ou na liquidação da sociedade, ou que lhes confira o direito de eleger um ou mais administradores. §1º O contrato social pode estabelecer a supressão ou limitação do exercício do direito de voto pelo sócio titular de cotas preferenciais. §2º Deverão constar do contrato social, com precisão e minúcia, outras preferências ou vantagens que sejam atribuídas aos cotistas sem direito a voto, ou com voto restrito, além das previstas neste artigo. §3º O número de cotas preferenciais com supressão ou limitação do direito de voto não pode superar a metade do capital social. §4º O sócio titular de cotas preferenciais, com direito de voto suprimido ou limitado, readquire o seu exercício quando as vantagens previstas no contrato social não se tornarem efetivas por três exercícios sociais consecutivos. §5º Os titulares de cotas preferenciais, inclusive com direito de voto suprimido, adquirirão direito de voto para votações em que se discuta alteração ou impacto em suas vantagens ou preferências.”
Eduardo Boulos
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