PANORAMA SOCIETÁRIO

Medida Provisória nº 931/2020

Disposições transitórias sobre matérias de direito societário para enfrentamento à atual pandemia de Coronavírus.

Como já mencionado em nosso artigo a respeito da possibilidade da realização de assembleias remotas da semana passada (clique aqui para acessá-lo), o Governo Federal vinha trabalhando junto à Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) e outros órgãos federais em medidas que visassem contornar uma série de questões societárias surgidas em decorrência da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), e das medidas impostas pelos governos, nomeadamente as que visam a evitar agrupamentos e aglomerações. O esforço conjunto do Governo Federal e dos demais órgãos envolvidos com questões societárias culminou com a publicação, em 30 de março de 2020, da Medida Provisória 931 (“MP 931”) com o fim de propor soluções para tais problemas. Abaixo listamos os principais tópicos abordados pela MP 931.

 

Postergação das Assembleias Gerais Ordinárias

Como já abordado anteriormente, é comum que as empresas brasileiras (sociedades por ações e sociedades limitadas) coincidam o ano civil com o seu exercício social. Em razão disto, o prazo para a grande maioria das sociedades realizarem suas assembleias gerais ordinárias (“AGOs”) / reuniões de sócios é até o final do mês de abril de cada ano.

Uma relevante preocupação das empresas relacionava-se ao cumprimento de tal obrigação legal dentro do prazo estipulado por lei, tendo em vista a situação excepcional que todos estamos enfrentando.  As medidas até então tomadas pela CVM não mudavam este prazo, por falta de competência legal da CVM para tanto.

Diante de todo o cenário atual, a MP 931 estendeu o prazo para a realização das AGOs / reuniões de sócios em três meses, isto é, passou de quatro para sete meses a partir do fim do exercício social, permitindo que a grande maioria das sociedades brasileiras tenham até o fim do mês julho para realizar tal reunião. A fim de garantir a plena aplicabilidade da prorrogação das AGOs / reuniões de sócios, a MP 931 também determinou que não se aplicam no presente exercício disposições contratuais que exijam a realização da referida assembleia ou reunião de sócios em prazo inferior aos sete meses, evitando, assim, que sociedades se sintam forçadas a realizar suas AGOs/ reuniões apenas para evitar descumprir obrigações assumidas junto a outras pessoas.

 

Prorrogação de Mandato e Competências Extraordinárias do Conselho de Administração

Ainda com o intuito de evitar a realização de reuniões e assembleias durante o período crítico da atual crise, a MP 931 também trouxe disposições transitórias sobre a prorrogação de mandatos dos administradores e membros do conselho fiscal de sociedades, sobre a distribuição de dividendos e sobre a deliberação acerca de outras matérias urgentes para as sociedades.

Os mandatos dos administradores de sociedades (além do mandato dos membros do conselho fiscal e dos comitês estatutários, quando houver) que estão previstos para terminar antes da realização das AGOs / reuniões de sócios deverão ser prorrogados até a data da realização da respectiva AGO / reunião de sócios.

Também determinou-se que, até que a AGO seja realizada, o conselho de administração ou a diretoria (caso não haja o órgão colegiado) poderá declarar dividendos intermediários (isto é, sem uma aprovação formal das demonstrações financeiras do último exercício) independentemente de reforma do estatuto social, caso nele não exista tal previsão.

Por fim, o novo texto legal também autorizou que o Conselho de Administração, durante este período, delibere sobre assuntos urgentes e que sejam de competência da assembleia geral. Tal decisão deverá, no entanto, ser ratificada posteriormente pelos acionistas.

 

Competências transitórias para a CVM – prazos para o cumprimento de obrigações por companhias abertas

A MP 931 deixou a cargo da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) a definição quanto à prorrogação de prazos para cumprimento de obrigações de divulgação por companhias abertas. Rapidamente, a CVM publicou a Deliberação CVM 849, de 31 de março de 2020 (“Deliberação CVM 849”), definindo os novos prazos especiais para o cumprimento de obrigações por companhias abertas no contexto da atual crise.

Dentre os principais adiamentos, estão a prorrogação por 2 meses dos prazos para apresentação: (i) das demonstrações financeiras; (ii) do formulário DFP (demonstrações financeiras padronizadas); (iii) do relatório do agente fiduciário; (iv) do formulário cadastral; (v) do formulário de referência e (vi) do informe sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa. Ainda, foi prorrogado em 45 dias o prazo de entrega do primeiro formulário de ITR (informações trimestrais) das companhias com exercício findo em 31 de dezembro de 2019. Ainda, a mesma norma autoriza que as demonstrações financeiras de fundos de investimento cujos exercícios sociais tenham terminado entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020 sejam automaticamente aprovadas, caso a respectiva assembleia não tenha sido instalada em razão do não comparecimento dos investidores e desde que o relatório de auditoria correspondente não contenha opinião em sentido contrário.

 

REGISTRO DE DOCUMENTOS SOCIETÁRIOS E VALIDADE PERANTE TERCEIROS

Há também, na MP 931, disposições sobre o registro e a validade de atos societários, tendo em vista que as juntas comerciais tiveram seu funcionamento prejudicado por conta da pandemia de COVID-19. A primeira e mais importante delas refere-se à dispensa transitória da obrigatoriedade do registro prévio de atos societários para emissão de valores mobiliários (caso é o caso, por exemplo, das debêntures, que têm sido cada vez mais utilizadas como meio de financiamento das empresas). A nova regra abrangerá atos societários e negócios jurídicos datados a partir de 1° de março de 2020. Deve-se mencionar, contudo, que, após trinta dias a contar da data em que a junta comercial restabelecer a prestação regular dos seus serviços, o ato societário em questão deverá ser registrado.

Ademais, a MP 931 dispôs que os efeitos perante terceiros dos atos societários datados do dia 16 de fevereiro de 2020 em diante deverão retroagir até as respectivas datas de assinatura, se estes atos societários forem protocolados na Junta Comercial competente em até trinta dias a contar da data em que tal junta restabelecer a prestação regular dos seus serviços.

Ressalta-se que as providências indicadas acima não se aplicam às Juntas Comerciais que estejam funcionando normalmente, incluindo as que já recebem protocolos de atos societários de forma totalmente digital.

 

ASSEMBLEIAS / REUNIÕES DE SÓCIOS E VOTO A DISTÂNCIA

A MP 931, aproveitando-se das reflexões do cenário atual, formalizou o entendimento de que, caso a assembleia não possa ser realizada na sede da companhia por motivo de força maior, o lugar substituto deverá estar necessariamente no mesmo município em que a sede se encontra, e deve ser indicado com clareza no edital de convocação.

A MP 931 também inovou ao permitir que sócios e acionistas possam participar e votar a distância em assembleias ou reuniões. O assunto ainda deverá ser regulamentado pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia – DREI.

Por fim, no mesmo sentido, a Deliberação CVM 849 trouxe mudanças em relação à disciplina dos fundos de investimento, os quais também poderão realizar suas assembleias gerais de forma totalmente virtual, independentemente de previsão do regulamento do fundo.

 

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