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Novidades Penais na Atividade Legislativa / 20.08.2021

PL 2.108/2021 (2.462/1991, na Câmara dos Deputados)

Autor: Hélio Bicudo, da Câmara dos Deputados

Casa: Senado Federal

Conteúdo: Acrescenta o Título XII na Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito; e revoga a Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional), e dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).

Comentário: O projeto em questão foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, tendo sido encaminhado ao Presidente da República, Jair Bolsonaro, para sanção presidencial. Ele acrescenta ao Código Penal crimes contra o Estado Democrático de Direito e revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN), publicada durante a Ditadura Militar.

Em abril desse ano houve intensa mobilização da sociedade civil e dos partidos políticos para derrubar a LSN, quando se verificou que seu conteúdo estava sendo utilizado como mecanismo de perseguição política de pessoas contrárias à atuação do Governo Federal no combate à pandemia da Covid-19. De acordo com o relator do PL, Rogério Carvalho (PT-SE), o número de inquéritos instaurados com base nessa lei aumentou significativamente a partir de 2019, chegando a 51 no ano de 2020.

O Supremo Tribunal Federal foi, então, acionado por partidos políticos e pela Defensoria Pública da União, pedindo que a LSN fosse declarada inconstitucional. As ações ainda não foram julgadas.

Nesse contexto, parlamentares oposicionistas se mobilizaram para retomar a discussão do PL 6.764/2002, que define no Código Penal os crimes contra o Estado Democrático de Direito e prevê a revogação da LSN. Ele foi posteriormente apensado ao PL 2.464/1991, ora em comento, que teve pedido de urgência aprovado ainda em maio, para que fosse discutido com prioridade no plenário da Câmara dos Deputados.

Foi realizada ainda Comissão de Legislação Participativa, em espécie de Webinar aberto ao público. A Comissão foi composta por renomados penalistas, autoridades públicas e membros do terceiro setor.

 

EM ao PL 2.337/2021

Autora: Tabata Amaral

Casa: Câmara dos Deputados

Conteúdo: Altera a legislação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das Pessoas Físicas e das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

Comentário: Tratamos aqui de uma emenda modificativa a projeto de lei ligado à Reforma Tributária. Nele, há a figura de um “planejador tributário”, sendo o profissional que desempenha funções voltadas para reduzir o pagamento de tributos federais pelos seus clientes, “ainda que de forma lícita”. Tal figura alcançaria inclusive o advogado, o contabilista, o administrador e o bancário. Ainda que o projeto seja de tom diretamente tributário, possíveis efeitos penais podem ser derivados e cobram atenção.

O projeto determina que planejador tributário deverá obrigatoriamente notificar ao órgão competente sobre quaisquer novas práticas que sejam de seu conhecimento e que visem elidir à tributação decorrente dos dispositivos da nova Lei, inclusive a tributação decorrente de revogação de isenção ou alteração de alíquota. Posteriormente, essas notificações deverão ser levadas ao Poder Legislativo, para correção das “brechas” legais.

Incialmente, é de se notar que, para o advogado, o cumprimento dessa norma se daria em grave prejuízo ao dever de sigilo profissional, contido nos artigos 35 a 37, do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil e garantido pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 7º, inciso II, além da clara previsão do artigo 5º, inciso XIII e XIV, na Constituição Federal.

Ainda que o planejador tributário participasse das atividades ilícitas, auxiliando o cliente a realizá-las, não seria obrigado a informar sobre a ilicitude cometida, visto que lhe é garantido constitucionalmente o direito de não produzir prova contra si mesmo, ou direito ao silencio.

Além da incompatibilidade legal, o próprio racional do projeto cria constrangimentos. Imagine-se que, no exercício regular de uma consulta legal, um determinado arranjo fiscal seja, posteriormente, identificado como ilícito por qualquer autoridade fiscal. Trata-se de algo bastante comum, por exemplo, no contexto de guerra fiscal, onde o contribuinte é compelido criminalmente a recolher tributos em decorrência do caótico ajuste federativo em matéria fiscal. Nesse exemplo corriqueiro, estaria o advogado obrigado a reportar algo que poderá ser transversamente enquadrado como ilícito.

O desconforto com a proposta passa também pela ideia de que será o próprio contribuinte responsabilizado pela ineficácia do Estado em estruturar um sistema tributário adequado. É bastante clara na justificativa da emenda a finalidade de contar com a colaboração do contribuinte, como se devesse ele antecipar seus passos ao poder público. Parece desarrazoado atribuir ao particular a responsabilidade de corrigir as normas criadas por membros da política eleitos para legislar.

Sabendo-se do infeliz uso da seara penal para impulsionar adimplementos tributários, há também larga preocupação com a criatividade de agentes ao ler nesse dispositivo um nexo adequado para imputação. Algo francamente impossível na dogmática penal, mas já observado de forma similar em atribuições penais que muito se aproximam de uma responsabilidade objetiva.

 

PL 2.809/2021

Autora: Celina Leão

Casa: Câmara dos Deputados

Conteúdo: Tipifica como qualificados os crimes de estupro e de estupro de vulnerável quando praticados pelo genitor ou ascendente da vítima.

Comentário: O PL pretende qualificar os crimes dos artigos 213 e 217-A, do Código Penal, aumentando suas penas mínima e máxima para 12 e 30 anos, quando praticados pelo genitor ou ascendente da vítima. Na justificação do projeto, a autora aponta que pesquisa realizada no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo revela que quatro a dez crianças vítimas de abuso sexual foram agredidas pelo próprio pai e três pelo padrasto. Além desse, há diversos estudos com resultados semelhantes.

Embora os crimes de estupro e estupro de vulnerável estejam dentre os mais graves do sistema penal e seja documentado que a maior parte deles é cometida por familiares ou pessoas próximas à vítima, é necessário lembrar que já existe agravante genérica para crimes cometidos contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge. A existência da agravante ou a previsão de novas qualificadoras ou causas de aumento de pena, infelizmente, não é suficiente para alterar esse cenário.

De acordo com o Atlas da Violência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), apenas 10% e 15% dos casos de estupros são reportados às autoridades e entram para as estatísticas do crime no país.

Assim, mais que qualificar as penas do crime de estupro, é urgente criar mecanismos que deem suporte para que as vítimas possam reportar com segurança a ocorrência dos crimes, principalmente quando coabitam ou tem relações de parentesco com seus agressores.