(Português do Brasil) Recentemente, o Congresso Nacional aprovou a derrubada parcial do Veto Presidencial nº 56/2019, que barrou 24 dispositivos do Pacote Anticrime. Com isso, no dia 30 de abril de 2021, os 16 dispositivos questionados foram inseridos na Lei nº 13.964/2019. Os 8 vetos mantidos pelo Congresso Nacional estão relacionados à Lei de Improbidade Administrativa. Dentre os vetos derrubados e agora inseridos na legislação penal, cumpre destacar: (i) artigo 141, §2º, do CP; (ii) artigo 3º-B, do CPP; (iii) o artigo 9º-A e parágrafos, da Lei de Execução Penal; e (iv) artigo 8º-A, §§2º e 4º, da Lei 9.296/96.
O artigo 141, §2º, do Código Penal prevê uma causa de aumento de pena para crimes contra a honra cometidos ou divulgados em quaisquer modalidades das redes sociais na rede mundial de computadores. A aplicação do triplo da pena para crimes de calúnia, difamação e injúria vem de encontro ao princípio da proporcionalidade como proibição de excesso, considerando a importância do bem jurídico tutelado. Com esse aumento, os crimes de calúnia, difamação e injúria qualificada, por exemplo, deixam de ser infrações de menor potencial ofensivo, não mais se aplicando ao infrator os benefícios despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Não obstante se reconheça que crimes contra a honra cometidos na internet causam mais prejuízos à vítima em comparação aos crimes cometidos em outras circunstâncias, tal medida ainda se demonstra excessiva e desproporcional, principalmente considerando a causa de aumento já existente do artigo 141, inciso III, segundo a qual aumenta-se de um terço a pena se o crime for cometido “na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria”.
Outro dispositivo relevante é o artigo 3º-B, §1º, do Código de Processo Penal, o qual veda expressamente o emprego de videoconferência para audiências de custódia. No contexto de isolamento social da pandemia, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 329/2020, cujo artigo 19 admite “a realização por videoconferência das audiências de custódia previstas nos artigos 287 e 310, ambos do CPP, e na Resolução CNJ 213/2015, quando não for possível a realização, em 24 horas, de forma presencial”. Em seguida, o regulamento assegura o direito à entrevista prévia e reservada entre preso e advogado e demais garantias inerentes ao instituto, que tem como objetivo precípuo coibir eventuais excessos como maus-tratos e/ou torturas, permitindo que o Juiz verifique o respeito aos direitos e garantias individuais do preso. Tal entendimento foi adotado pelo STF e por todos os juízos Brasil afora, em caráter excepcional, durante a pandemia.
A vedação à audiência de custódia por videoconferência, prevista no artigo 3º-B, §1º do CPP se alinha ao entendimento de que o contato presencial entre magistrado e preso é essencial para que a Justiça coíba maus-tratos, abusos e outras ilegalidades, sobretudo nas prisões em flagrante. Com a nova previsão legal, os regulamentos perderam a validade e os tribunais devem aplicar a lei. Contudo, no âmbito Legislativo, os senadores Flávio Arns (Podemos-PR) e Angelo Coronel (PSD-BA) apresentaram ao Senado projetos de lei que buscam a retomada das audiências de custódia por videoconferência durante a pandemia.
No que diz respeito ao artigo 9º-A, da Lei de Execução Penal, cumpre destacar as alterações da identificação do perfil genético no âmbito da execução penal. Com a nova redação, o condenado por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA, por ocasião do ingresso no estabelecimento penal. Ademais, consta proibição expressa de utilização das amostras biológicas para fins de fenotipagem genética ou busca familiar, assegurando que as informações genéticas do condenado serão única e exclusivamente usadas para compor o banco de perfis sigiloso e serão posteriormente descartadas. O banco de perfis genético pode trazer informações decisivas para inocentar suspeitos e identificar o verdadeiro autor dos crimes.
Por fim, vale pontuar a inclusão do artigo 8º-A, §§2º e 4º, da Lei 9.296/96. O §2º dispõe que “a instalação de dispositivo de captação ambiental poderá ser realizada, quando necessária, por meio de operação policial disfarçada ou no período noturno, exceto na casa, nos termos do inciso XI, do caput, do art. 5º da Constituição Federal”. Aparentemente, o novo dispositivo traz a possibilidade de instalação de dispositivos de captação ambiental (interceptação ambiental ou escuta ambiental) no interior da casa, exclusivamente durante o dia. No período noturno, o domicílio permanece inviolável, em consonância com a garantia constitucional de que o ingresso em domicílio mediante prévia autorização judicial é cabível exclusivamente durante o dia. Importante ressaltar que, nos termos do artigo 150, §4º, do CP, a expressão “casa” compreende qualquer compartimento habitado, aposento ocupado de habitação coletiva ou compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.
O art. 8º-A, §4º, por sua vez, trata da gravação ambiental, feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro e independentemente de autorização judicial. A análise da licitude da gravação ambiental deve ser feita casuisticamente, mas, regra geral, reputa-se lícita a gravação ambiental quando for usada para comprovar a inocência do acusado ou quando houver investida criminosa de um dos interlocutores contra o outro, desde que não viole direitos fundamentais ou o sigilo profissional ou funcional protegido por lei.
Tais alterações legislativas são de extrema relevância para a prática forense e ainda serão objeto de discussão nos tribunais superiores, principalmente a questão da audiência de custódia por videoconferência, objeto de novos projetos de lei no Congresso Nacional.
(Português do Brasil) A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta terça-feira (11/5), por unanimidade, a decisão do ministro Edson Fachin que restabeleceu a condenação do proprietário e do gerente de uma fazenda em Vitória da Conquista (BA) por submeter trabalhadores a condições análogas à de escravidão, crime previsto no artigo 149 do Código Penal.
Os trabalhadores foram encontrados em julho de 2013 por um grupo de fiscalização do extinto Ministério do Trabalho. As condições de trabalho que o grupo de fiscalização encontrou eram péssimas e foram constatadas diversas violações trabalhistas.
Os 26 funcionários da Fazenda Sítio Novo vivam em alojamentos com camas improvisadas de tijolos, tábuas e papelão, bem como não havia água nem instalações sanitárias e os alimentos e objetos pessoais ficavam no chão, expostos a moscas, insetos e roedores. Além disso, a jornada de trabalho se estendia por 12 horas diárias e a manutenção do estabelecimento exigiria a contratação aproximada de 150 pessoas.
O proprietário da fazenda e o gerente foram condenados em primeiro grau a seis anos e a três anos de reclusão, respectivamente. Todavia, o TRF-1 acolheu apelação dos réus para absolvê-los, por considerar que as irregularidades trabalhistas verificadas pela fiscalização não eram suficientes para configurar o crime previsto no artigo 149 do CP.
Afirma-se no acórdão que, embora as vítimas tenham sido submetidas a condições degradantes de trabalho, não houve o cerceamento de suas liberdades, condição necessária para a caracterização do delito em discussão.
O STF, por sua vez, entendeu que os trabalhadores estavam expostos a sobrecarga de trabalho, excesso de jornada e sem condições adequadas de alojamento, higiene ou alimentação, bastando tais elementos para configurar o crime em questão, que não depende exclusivamente da privação de liberdade.
Dessa forma, o STF reiterou o entendimento firmado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no célebre caso dos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, em 2016, de que para configuração do crime de submissão a condições análogas à escravidão não é necessário o cerceamento de liberdade, bastando a imposição de condições degradantes de trabalho e a violação da dignidade da pessoa humana.
Insta observar que o trabalho escravo, infelizmente, ainda é uma realidade brasileira. De acordo com dados do Ministério Público do Trabalho, aproximadamente mil brasileiros são vítimas desse delito anualmente. O artigo 149, do CP, possui pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa.
(Português do Brasil) Nesse sábado (8), foi publicada pelo Estadão notícia polêmica sobre o que a imprensa tem chamado de “Tratoraço”. De acordo com a matéria, o Governo Federal teria mantido uma espécie de “orçamento secreto”, destinando 3 bilhões de reais em emendas para auxiliar a base aliada de deputados e senadores. Parte dessa verba seria gasta para compra de tratores com preços até 259% acima dos valores de referência, razão pela qual o suposto esquema foi apelidado dessa maneira.
Segundo informações contidas na notícia, membros do Congresso teriam enviado 101 ofícios ao Ministério do Desenvolvimento Regional e órgãos vinculados, indicando como preferiam usar os recursos. Os ofícios demonstrariam desrespeito às leis orçamentárias, uma vez que os Ministros deveriam ser os responsáveis por definir onde aplicar os recursos, em um cenário no qual aqueles valores tivessem sido destinados da forma originalmente prevista à finalidade.
Ainda mais gravoso, o método dificultaria o controle do Tribunal de Contas da União (TCU) e da sociedade. Não foi dada a necessária publicidade a tais acordos, e, ademais, a distribuição dos valores neles contidos não foi distribuída de maneira igualitária entre os congressistas, sendo que teriam sido entregues apenas aos apoiadores do Presidente da República, ressaltando a suspeita de que se trata de um meio de manobrar verbas fora das previsões orçamentárias. Tais manobras teriam sido utilizadas para negociar o apoio das candidaturas de Arthur Lira à presidência da Câmara e de Rodrigo Pacheco ao comando do Senado, no início deste ano.
Novas notícias têm surgido sobre a destinação de valores à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Parlamentares aliados ao Governo Federal teriam grande influência sobre os superintendentes regionais e diretores da estatal, intervindo na realização de obras e na doação de máquinas para redutos eleitorais. A empresa teria sido loteada e, por requerimento de deputados e senadores, teriam sido incluídos em sua área de atuação mil novos municípios, muitos dos quais estariam, inclusive, localizados em Estados pelos quais não passa o Rio São Francisco.
Inicialmente, os deputados e senadores negaram ter direcionado tais recursos. Entretanto, após serem apresentados aos ofícios por eles assinados, bem como por “planilha” do Governo que também registrava as movimentações orçamentárias, eles têm modificado seu discurso.
O deputado federal Ivan Valente iniciou a coleta de assinaturas para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os fatos do “tratoraço”, com o objetivo de investigar o direcionamento dos três bilhões de reais do orçamento pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. Para Ivan Valente, “a criação de orçamento paralelo com execução condicionada à indicação de parlamentares que votam com o governo configura verdadeira compra de votos e fere gravemente a autonomia do Poder Legislativo e a separação de poderes assegurada na Constituição”.
Nessa terça-feira (11), em conversa com apoiadores, o Presidente Jair Bolsonaro rebateu as acusações, afirmando tratar-se de “invenção da imprensa” e chamando os jornalistas do Estadão de “canalhas”. O Presidente afirmou, “se alguém na ponta da linha, se alguém comprou algo superfaturado, eu não tenho essa responsabilidade”. A depender das análises e reconstrução das responsabilidades que se dará nos próximos dias, é possível auferir melhor qualquer pertinência criminal decorrentes dos chamados “orçamentos secretos”.