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#11 / 27.05.2021 / Projetos de Lei da quinzena ➜

O que mudou?

Fatos da última quinzena que movimentaram o Direito Penal

A Polícia Federal buscou junto ao Supremo Tribunal Federal o deferimento de diversas diligências - como autorização para realização de perícia, busca e apreensão, afastamento de sigilos bancários, bem como suspensão cautelar da função pública -, em face de agentes ligados ao Ministério do Meio Ambiente, incluindo o Ministro Ricardo Salles.

De acordo com a representação, existiriam indícios sobre a existência de esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais. As investigações foram iniciadas em janeiro deste ano, a partir da notificação de autoridades norte-americanas que apontaram a emissão de certidões e ofícios sem previsão legal em exportações de madeiras para aquele país.

Nesse sentido, o Ministro Alexandre de Moraes deferiu os pedidos formulados pela autoridade policial, ordenando o cumprimento de mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao Ministério do Meio Ambiente, bem como o afastamento do presidente do Ibama, Eduardo Bim, e suspendeu o despacho assinado por ele em fevereiro de 2020, que revogou a Instrução Normativa nº 15/2011. O Ministro decidiu, ainda, pela quebra dos sigilos bancário e fiscal de Ricardo Salles e de servidores do Ibama.

Durante a operação da Polícia Federal, o Ministro Ricardo Salles não entregou seu aparelho celular, alegando estar sem ele no momento. O Ministro também é investigado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), pela suspeita de uma operação de R$ 1,8 milhão feita pelo seu escritório ministerial.

O caso atrai atenções por correlacionar atos de ofício em normativas a possível responsabilidade criminal, até mesmo com a pronta revogação de uma delas; conforme acima mencionado. A opinião do Ministro Ricardo Salles em matérias ambientais é de ampla ciência, mas a sua direta implicação criminal, no caso apresentado, depende de se demonstrar um dolo específico em eventos que dizem respeito à condução normal de uma pasta dessa natureza; algo que a investigação deverá abordar e que tende a balizar os critérios para valoração de prova.

Na prática

Teses relevantes com destaque na jurisprudência

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça retomou o tema do compartilhamento de dados entre órgãos de fiscalização tributária e o Ministério Público Federal para fins de investigações criminais, discutindo se seria ilegal o fornecimento desses dados ao órgão acusatório sem a respectiva representação fiscal para fins penais.

Na hipótese do julgamento, apesar de não ter sido oferecida representação fiscal para fins penais após a conclusão do procedimento administrativo fiscal, o órgão acusatório solicitou e obteve os dados sigilosos. O Superior Tribunal de Justiça entendeu que isso não torna ilegal o compartilhamento dos dados obtidos pela Receita Federal com o Ministério Público, tendo em vista a existência de investigação, no âmbito do MPF, que apurava exatamente a suposta violação de dever funcional por parte de auditores fiscais, que não estariam remetendo à Procuradoria as representações em situações configuradoras de sonegação e fraude. Além disso, considerou-se que seria o caso de uma solicitação de providências investigativas, que é atividade compatível com as atribuições constitucionais do Ministério Público.

O Supremo Tribunal Federal, em 04 de dezembro de 2019, quando da análise do RE n. 1.055.941 RG/SP, já havia concluído que o compartilhamento é constitucional, ainda que sem a obrigatoriedade de autorização judicial prévia. O presente caso, contudo, merece algumas observações.

O primeiro ponto a ser observado é que a representação fiscal para fins penais seria uma notícia de crime, por meio da qual o fisco informa a possível prática de crime ao Ministério Púbico. Por isso não é considerada quebra de sigilo bancário e fiscal, mas mera transferência de informações sigilosas que devem permanecer em sigilo. Não teria cabimento o Ministério Público Federal requisitar diretamente aos órgãos de fiscalização tributária informações sigilosas de contribuintes investigados sem autorização judicial, pois, invertendo o caminho da solicitação, inverte-se também o conteúdo da norma, tornando lícitos casos de absurdo onde se promove uma devassa indiscriminada contra um ou outro contribuinte.

O segundo ponto é que o ordenamento jurídico brasileiro adotou o direito penal do fato, segundo o qual o direito penal deve punir condutas consideradas contrárias às leis e lesivas aos bens jurídicos tutelados. Tal sistema se contrapõe ao direito penal do autor, marcado pela punição de pessoas em razão de suas condições pessoais e periculosidade abstrata. Ocorre que, na prática, muitas vezes o que vemos é um verdadeiro caso de direito penal do autor, no qual as autoridades compartilham e investigam quaisquer movimentações financeiras de pessoas com antecedentes criminais ou com processos em andamento, bem como de conhecidos ou parceiros comerciais, sem qualquer indício de irregularidade concreta e fática. Trata-se de evidente violação aos direitos e garantias processuais do indivíduo, notadamente do sigilo de suas informações bancárias e fiscais.

Atenção!

Temas em debate com relevância para as próximas semanas

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid tem sido acompanhada assiduamente pelos brasileiros. Ela foi criada para investigar possíveis ações e omissões do Governo Federal que possam ter agravado a crise sanitária, bem como o destino de verbas federais em Estados e Municípios.

Na semana passada, depôs o General Eduardo Pazuello, ex-Ministro da Saúde. À parte dos fatos narrados pelo General, foi amplamente noticiada a concessão de ordem de habeas corpus preventivo pelo Supremo Tribunal Federal, que garantiu a ele o direito de não responder perguntas capazes de o incriminar. O relator, Ministro Lewandowski, ressaltou que o comparecimento, no entanto, seria compulsório e que o depoente não poderia faltar com a verdade relativamente a todos os demais questionamentos.

O Ministro considerou que a presença de Pazuello na comissão, ainda que na qualidade de testemunha, poderia repercutir em sua esfera jurídica e potencialmente causar-lhe dano. “Por isso, muito embora ele tenha o dever de pronunciar-se sobre os fatos e acontecimentos relativos à sua gestão, poderá valer-se do legítimo exercício do direito de manter-se silente, pois já responde a uma investigação, no âmbito criminal, quanto aos fatos que, agora, também integram o objeto da CPI”, afirmou.

A decisão é de extrema relevância porque, em uma CPI, um dos principais elementos probatórios são os depoimentos. A comissão tem a prerrogativa de convocar qualquer pessoa que considere ter informação relevante para o esclarecimento dos fatos, sendo o intimado obrigado a comparecer e prestar o compromisso de dizer a verdade.

A Constituição Federal, em seu artigo 58, § 3º, determina que a CPI tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Entretanto, a prerrogativa de decretar a prisão em flagrante do depoente encontra fundamento no Código de Processo Penal. De acordo com seu artigo 301, “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. Assim, o poder da CPI de decretar a prisão do depoente vem do compromisso legal de dizer a verdade, cujo descumprimento acarreta crime de falso testemunho, previsto pelo artigo 342, do Código Penal.

Na medida em que acaba de ser deferido um novo pedido de convocação do ex-ministro, justamente por se duvidar das informações por ele prestadas, o risco de se revisitar a possibilidade de flagrante em uma CPI tende a aumentar. Já sendo clara a qualidade de Eduardo Pazuello enquanto investigado, e não como mera testemunha, os direitos já reconhecidos no habeas corpus anterior seguem de suma importância para conduzir seu novo depoimento.