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#15 / 30.07.2021 / Projetos de Lei da quinzena ➜

O que mudou?

Fatos da última quinzena que movimentaram o Direito Penal

Na última semana, diversas instituições manifestaram repúdio à truculência na abordagem policial ao advogado Orcélio Ferreira Silvério Júnior, ocorrida na capital de Goiás. Conforme vídeos e relatos divulgados pela imprensa, o advogado foi imobilizado, algemado e agredido por policiais militares após interceder por um homem em situação de rua. A vítima afirma, ainda, que sofreu ameaças de morte pelos policiais agressores.

Em razão disso, foi instaurado inquérito policial para apurar as condutas dos policiais militares, que podem configurar os delitos de lesão corporal, ameaça, abuso de autoridade e até tortura. Além disso, segundo notícias, o Ministério Público de Goiás instaurou inquérito civil para apurar ato de improbidade administrativa e a Polícia Civil de Goiás instaurou procedimento administrativo disciplinar.

Ante a gravidade e repercussão dos fatos, o advogado vítima dos abusos teria sido inserido no Programa Federal de Assistência às Vítimas e às Testemunhas Ameaçadas, disciplinado pela Lei nº 9.807/99. O programa compreende uma série de medidas protetivas que poderão ser concedidas a vítimas e testemunhas que estejam sendo coagidas ou ameaçadas em razão de investigação ou processo criminal, bem como a acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. As medidas podem envolver segurança na residência, escolta, transferência de residência, preservação da identidade, dentre outros.

Os relatos de abusos policiais contra advogados têm crescido nos últimos meses, causando preocupação não apenas à advocacia, mas à sociedade e às instituições como um todo. A atmosfera de excepcionalidade no exercício da violência estatal cresce junto da repressão. Além de violarem direitos individuais, tais condutas opressoras violam princípios constitucionais e prejudicam a confiança da população na atuação dos órgãos de segurança pública.

Importante lembrar que a utilização da força pelos agentes de Segurança Pública é sempre excepcional e está condicionada à obediência aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência. Na prática habitual de se multiplicarem projetos de lei frente a esses casos de maior impacto, o que se espera de efetivo é a atuação dos órgãos de controle em aplicar a lei de forma exemplar, evitando que corporativismos favoreçam novos episódios semelhantes.

Na prática

Teses relevantes com destaque na jurisprudência

A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) proferiu, em sede de habeas corpus, importante decisão sobre as provas emprestadas no processo penal. Os impetrantes argumentaram que o pedido formulado pelo Ministério Público foi genérico ao não indicar os processos destinatários da prova.

​​Prova emprestada é aquela produzida em processo diferente daquele que está sendo julgado. Ela é admitida pelo Código de Processo Civil (CPC), que, em seu artigo 372, dispõe que "o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório".

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já proferiu diversas decisões sobre o tema, tendo determinado, em 2014, que a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto.

Em matéria penal e processual penal, impera o mesmo entendimento. No julgamento do REsp 1.561.021, o relator, Ministro Néfi Cordeiro, lembrou que as provas no processo penal só exigem forma quando a lei o prevê; caso contrário, devem apenas ser submetidas às garantias do contraditório e da ampla defesa.

No caso do habeas corpus julgado pelo TJPR, o relator, desembargador Mário Helton Jorge, entendeu que não estavam presentes tais requisitos. Ele lembrou que a utilização de prova emprestada dependeria de determinadas condições, como a necessidade de ter sido produzida perante a autoridade judicial e sob o crivo do contraditório, a existência de pertinência entre o objeto da prova e o processo destinatário, bem como a concessão do exercício do contraditório sobre a prova oriunda do processo originário.

Em voto vencedor, o relator entendeu, portanto, que não poderia ser admitida genericamente a prova emprestada. Ele determinou que o pedido do Ministério Público acerca da prova emprestada deve abranger, de forma concreta, os processos em que será realizado o empréstimo, viabilizando que o juiz do processo em que foi produzida a prova decida sobre a possibilidade de ser realizado o empréstimo, em cada processo, prevalecendo sempre o princípio do contraditório e da ampla defesa.

Atenção!

Temas em debate com relevância para as próximas semanas

Foi publicado parecer da Comissão Especial destinada a analisar o Projeto de Lei nº 399/15, de autoria do deputado Fábio Mitidieri, que pretende alterar o art. 2º da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas), para viabilizar a produção, o fornecimento, a industrialização e a comercialização de Cannabis e de seus derivados para fins medicinais.

O mérito do parecer emitido pela Comissão foi favorável para a aprovação do projeto de lei em referência e de seu apenso (PL Nº 369/21), que almeja legalizar a comercialização de medicamentos que contenham substratos da planta Cannabis para a medicina veterinária também.

Em sua justificativa, os parlamentares da comissão especial argumentam que a mudança trazida pelo projeto irá terminar com a disposição restritiva da Resolução Colegiada da Anvisa n° 327/19, que autoriza apenas a comercialização de medicamentos à base da Cannabis, mas não permite o cultivo e a colheita da planta para fins medicinais em território nacional.

Dessa forma, a iniciativa legal tornará o acesso à Cannabis medicinal menos restritivo no Brasil, fazendo com que pacientes diagnosticados com Alzheimer, Autismo, Câncer, Epilepsia, Parkinson e outras doenças tenham maior facilidade em obter medicamentos que, atualmente, apenas podem ser adquiridos mediante importação e após autorização pela Anvisa. Tal procedimento faz com que os medicamentos à base da Cannabis cheguem no território nacional com preços elevados e, desse modo, famílias de baixa renda se mostram impedidas de acessar esses tratamentos medicinais.

A comissão conclui seu parecer comparando o acesso democrático à Cannabis medicinal e aos medicamentos derivados desta ao direito constitucional à saúde.

Todavia, a conclusão exposta pela comissão especial não agradou os deputados da base governista, visto a utilização da planta Cannabis Sativa em tratamentos medicinais ser combatida em suas pautas ideológicas. Destarte, foi apresentado por 129 parlamentares recurso ao Plenário da Câmara dos Deputados contra a apreciação conclusiva do Projeto de Lei nº 399/2015.

Asseveram os deputados da base governista que a matéria em debate se mostra complexa e de grande impacto na vida da sociedade brasileira, motivo que deve ser exaustivamente analisada e debatida pela composição plenária da Casa e não pela Comissão especial.

O recurso apresentado pelos opositores se trata apenas de uma forma processual para impedir que a análise conclusiva da comissão prossiga diretamente à casa revisora, no presente caso o Senado Federal. Desse modo, como mais de 52 deputados recorreram, o projeto deverá ser analisado pelo Plenário da Câmara dos Deputados antes de seguir à próxima casa legislativa.

Além do mercado medicinal, multiplicam-se no mundo as oportunidades de empreendimentos também para gêneros industrializados derivados (como tecidos), fundos de investimento especializados e, evidente, o próprio foco estritamente recreativo. O caminho rumo à descriminalização tem sido cada vez mais claro, seguindo o pais na retaguarda mundial de um debate já maduro no exterior.

A letargia em lidar com a questão - seja aqui pela via legislativa, ou na decisão ainda pendente do Supremo Tribunal Federal - não suprime somente a questão ligada à saúde como direito social, mas também segue apostando em uma política criminal falida, em enormes gastos com uma repressão inócua, deixando também de se regular um mercado com enorme potencial em arrecadação tributária.

Pelas normas regimentais da Câmara, não há uma data específica para que uma determinada proposição seja votada, a depender de despacho do Presidente da casa.