Ao expor publicamente seu agressor, estaria a vítima também cometendo um crime? Recentemente, casos midiáticos têm trazido à tona debate antigo no Direito Penal. As exposições de casos de assédio sexual e agressão realizadas pelas atrizes Dani Calabresa e, mais recentemente, Duda Reis são bons exemplos.
Para matéria publicada pela Revista Piauí, Calabresa narra situações, ao longo de sua participação no programa Zorra Total, em que alega ter sofrido assédio sexual por parte de seu Marcius Melhem, seu ex-chefe. Duda Reis, por sua vez, usou sua página no Instagram para expor agressões supostamente perpetradas por seu ex-noivo, o cantor Nego do Borel, com quem mantinha relacionamento há três anos. Ela afirma ter sofrido violência doméstica e sido vítima de estupros, ameaças, agressões e de transmissão intencional de HPV. A atriz, de 19 anos, registrou suas acusações na Delegacia da Mulher de São Paulo, tendo obtido medidas protetivas contra o cantor.
Em ambos os casos, houve empuxo por parte dos denunciados. No âmbito criminal, ambos Marcius Melhem e Nego do Borel afirmaram que tomarão medidas contra as atrizes, imputando-lhes a prática de crimes contra a honra. São esses os previstos nos artigos 138 a 140 do Código Penal: calúnia, difamação e injúria, delitos de significação própria, que não se confundem. Os tipos penais de calúnia e difamação visam a proteger o bem jurídico da honra objetiva, a reputação do sujeito em seu meio social. Para que se concretizem, deve ser atribuída a alguém a prática de fato previsto em lei como crime (calúnia) ou tão somente ofensivo à sua reputação (difamação). Nego do Borel chegou a acionar seus advogados para que, em regime de urgência, solicitassem ao Poder Judiciário que as publicações de Duda fossem excluídas e que a atriz fosse proibida de fazer novas postagens sobre o relacionamento. Entretanto, o juiz Marco Antonio Cavalcanti de Souza, da 4ª Vara Cível do Rio de Janeiro, negou a liminar, entendendo que “atualmente, diante de crescentes quantidades de casos de feminicídio, não se pode admitir qualquer utilização de meios jurídicos para que o suposto ofensor possa desqualificar os relatos de sua ex-companheira”. Para o magistrado, isso seria tentar obstar a divulgação de informações relatadas pela pretensa vítima, que se mostram, à primeira vista, como atitudes abusivas e, consequentemente, evitar que tais fatos passem pelo crivo da opinião pública, ainda mais quando praticados por personagem artística, celebridade".
A movimentação narrada causa sensível reflexo para a apuração das condutas, especialmente caso reflitam tão somente um meio de defesa e não necessariamente a verdade dos fatos. Primeiro, em se tratando da hipótese de violência contra mulher, por representar uma demoção contra denúncias. Segundo, pelo viés estritamente jurídico, por representar a possibilidade de prática do crime de denunciação caluniosa (art 339, do CP), na medida em que teriam eles movimentado a máquina estatal em direção à persecução de pessoa que sabiam ser inocentes.
Trata-se de reiterado movimento ainda recente em casos de dimensão pública. Com seu deslinde, restará melhor avaliado não somente o mérito em acusação, como também a pertinência de imputar crime contra a honra frente à acusações de crimes sexuais e afins.
Foi decidido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, no dia 17 de janeiro, que o julgamento de delito antecedente à ação de lavagem de dinheiro não deve suspendê-la. A decisão foi proferida em sede do Habeas Corpus 14.001, negando o efeito suspensivo do recurso. A ação penal investiga a suposta lavagem de dinheiro comedida por três irmãs na operação “lama asfáltica”, que trata de fraudes a licitações de obras públicas em Mato Grosso do Sul.
Anteriormente, a defesa das investigadas pediu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região que suspendesse a ação que apura o crime de lavagem de dinheiro até que fossem julgados os processos sobre delitos correlatos antecedentes. No entanto, o TRF-3 negou o pedido, sob o fundamento de que a ação de lavagem de dinheiro é autônoma em relação à condenação ou processamento de delitos anteriores.
Argumentou a defesa que os autos em discussão seriam excepcionais, visto o processo de branqueamento de capitais e os supostos crimes antecedentes tramitarem no mesmo juízo. Todavia, para o presidente do STJ não foi identificado periculum in mora no caso concreto, elemento imprescindível à concessão do efeito suspensivo pleiteado.
Dessa forma, foi decidido pelo STJ que a caracterização do delito de lavagem de dinheiro dispensa o prévio conhecimento de detalhes sobre o crime anterior, bem como a verificação de culpabilidade ou punibilidade por meio da condenação pela prática da infração penal que deu origem aos valores ou bens objetos de futuras ações de branqueamento.
É inegável o prejuízo do entendimento. O artigo 93, do Código de Processo Penal, diz com clareza da possibilidade de se suspender o julgamento quando a matéria for prejudicial ao julgamento de outra matéria diversa; sendo analogamente aplicado, mesmo de forma extensiva, em outros casos recentes. Não se pode dizer que o delito de lavagem é autônomo em relação aos anteriores, pelo mesmo motivo que não se poderia lavar dinheiro que não provém de origem ilícita; não haveria motivo para ocultação, não haveria tampouco crime. Na síntese da contradição levantada, seria possível ser condenado por lavar dinheiro proveniente de um crime que a justiça, em outro julgamento, reconheceu jamais ter ocorrido.
Nessa semana teve início a tão aguardada campanha de vacinação contra o Covid-19 em âmbito nacional, o que trouxe momentos de alegria e esperança para a população brasileira. No entanto, infelizmente, nos últimos dias surgiram também notícias dos chamados “fura filas”, isto é, da imoral e ilegal antecipação de vacinação para pessoas que não se enquadram nos grupos prioritários legitimados para receber o imunizante nesta primeira fase.
Como se sabe, o plano nacional de imunização classificou como grupos prioritários e elegíveis para receber a vacina nesta primeira fase de vacinação os trabalhadores de Saúde; pessoas de 75 anos ou mais; pessoas de 60 anos ou mais institucionalizadas; população indígena aldeado em terras demarcadas, povos e comunidades tradicionais ribeirinhas. Ocorre que, têm circulado na mídia notícias de prefeitos, servidores públicos e seus familiares que, apesar de não preencherem tais requisitos, receberam, com prioridade, a primeira dose da vacina Coronavac.
A conduta pode ser enquadrada como ato de improbidade administrativa, bem como pode configurar crime de prevaricação, abuso de autoridade e de infração de medida sanitária preventiva, a depender do sujeito que a praticou e do cargo exercido. Isto porque, ao “furar a fila” e deixar de cumprir o plano nacional de vacinação por interesses pessoais, tais pessoas estão colocando em risco a vida dos integrantes do grupo prioritário que deixaram de receber a vacina e estão prejudicando o processo de imunização em massa previsto pelo Governo Federal, que considerou os grupos mais vulneráveis e necessitados do imunizante para diminuir a taxa de transmissão e contaminação grave.
Os Ministérios Públicos dos Estados, inclusive, já se pronunciaram afirmando que foram instaurados procedimentos investigativos para apurar os supostos desvios de doses de vacina e que o Ministério da Saúde e demais órgãos locais responsáveis pela campanha de vacinação estão sendo oficiados para que informem a lista de pessoas que já receberam a primeira dose, bem como sua qualificação e enquadramento no grupo prioritário. Com o prosseguimento da vacinação no decorrer do ano, é provável que mais casos parecidos sejam noticiados ao redor do país e que as imputações sejam padronizadas, gerando importante precedente para casos futuros.